Autor: Profabril, Centro de Projectos Industriais, SARL
Decorria o ano de 1919 quando a KODAK Portuguesa se instalou em Lisboa, inaugurando, em Linda-a-velha, o edifício agora analisado, no ano de 1970. O projecto da Profabril responde a um programa que integra uma área da direcção e serviços administrativos, serviço de venda e serviços sociais / serviços comerciais e centrais / laboratório e oficinas / serviços (caldeiras a vapor) / armazém. A racionalidade exigida à integração funcional destes distintos espaços apreende-se na organização em planta e num percurso visual intimamente ligado a escalas de importância sócio-laboral.
Conjunto marcado por uma intencional horizontalidade, acentuada pela utilização de lajes de betão na cobertura de todos os edifícios, exceptuando o do armazém que explora o carácter industrial através de um shed voltado a Norte, reafirma esta opção formal nos volumes paralelepipédicos do conjunto, dos quais se destaca o corpo puro de um quadrado que guarda o equipamento tecnológico. Esta geometrização volumétrica é organizada também em função de uma intenção valorativa dos serviços. Assim, o corpo de maior relevo, localizado paralelamente à auto-estrada, é o da administração e direcção, impondo-se com a sua grandeza e ocultando todas as restantes áreas que se desenvolvem no seu tardoz.
A relação perfeita destes volumes e a sua funcional e orgânica distribuição é alcançada através de uma organização centrada em torno de um pátio quadrangular que aproxima e distribui espacialmente as diferentes áreas. Há uma procura de aproximação aos elementos naturais através do recurso à transparência vítrea, que estabelece uma relação de proximidade afectiva entre o construído e a paisagem natural. A água, a escolha das espécies vegetais, a colocação de lajes de betão a definir percursos, a inserção de alguns bancos a cativar um tempo de descanso, faz lembrar alguns dos recantos e ambiências criados nos jardins da Gulbenkian.
Dos diversos volumes construídos o cubo destinado às caldeiras, ainda que secundarizado face ao corpo administrativo assume um arrojo formal pouco comparável neste universo construtivo, recorrendo a soluções que prevêem a ocultação da mecanicidade. A sua imposição natural deriva das soluções construtivas em causa. A casa das caldeiras, escondida na memória descritiva com o nome de serviços, apresenta-se como um volume escultórico no e do conjunto. A recorrência ao uso do betão e a exploração da sua plasticidade através de motivos geométricos desenhados em betão aparente atribuem a esta peça um carácter de unicidade. O brutalismo do betão esbate-se no tratamento plástico sofrido por estas superfícies que integram nesse jogo geométrico as filtradas entradas de luz, lembrando a espiritualidade que Le Corbusier imprimiu ao interior da Capela de Ronchamp. Esta dialéctica entre o sagrado e o profano estabelece-se numa área funcional primordial para o trabalho de laboratório implantado à época, alcançando uma espécie de sacralização, não só através do tratamento plástico de excepção como do recolhimento que aí se antevê.
A hierarquização dos espaços volumetricamente marcada, uma sábia articulação e distribuição das distintas funcionalidades, a utilização de soluções formais para os diferentes corpos, características evidentes do conjunto, articulam-se e alcançam unidade pela modulação e volumetria estrutural dos cinco corpos, pela incontestável e dominante horizontalidade e pelos materiais utilizados, que simultaneamente individualizaram espaços e conferiram um léxico identitário, é o caso do betão aparente, da tijoleira tipo italiano, do alumínio e das cores seleccionadas – branco e preto. O próprio recurso ao elemento – água – poderá ser entendido como um factor que une os diversos espaços, não esquecendo a sua subtil presença frente à casa das caldeiras que, simultaneamente, desenvolve um pequeno espelho de água e camufla o gigante depósito subterrâneo que abastece as caldeiras caldeiras a vapor.
Deolinda Folgado/ Departamento de Estudos
Outubro 2004